15 de dezembro de 2012

Nada acontece quando estás demasiado confortável

Pensa naquilo que desejas neste preciso momento. Podem ser coisas simples, como um chocolate quente ou ir para o sofá da sala ver um filme. Agora, faz de conta que encontraste o génio da lâmpada e que ele te realizou esses mesmos desejos. Agora que já tens tudo o que queres, qual o passo seguinte? É isso mesmo: nenhum. Dá demasiado trabalho, estás demasiado realizado naqueles minutos para fazer o que quer que seja. Preencheste o vazio que tinhas completamente. Tudo resto se torna supérfluo, mesmo que não o seja na realidade. Vou exemplificar com coisas muito simples.

situação 1: está frio lá fora e estás enrolado numa mantinha polar, cabecinha apoiada numa almofada de penas de ganso, esticado no sofá da sala a ver o mais recente episódio da tua série, enquanto ouves o lume da lareira a crepitar. Todo o teu corpo parece em harmonia com o teu envolvente. Mais confortável, não poderias estar. Estás completamente mole, sem vontade de mover um único músculo. De repente, convidam-te para ir a uma festa qualquer, o que iria envolver todo um ritual de banho-escolher o que vestir-sair de casa-atravessar o frio polar. O que fazes?

situação 2: tens um exame para daí a 3 dias. Ainda não pegaste numa única folha. Para ficares mais confortável, decides que podes estudar no quarto, em cima da cama fofinha. Em teoria. O que acontece? Não só não pegas nas folhas, como passado 15min estás a dar cabeçadas e com um sono descomunal. Como correu o exame? Nem falemos disso.

situação 3: gostas imenso de estar na paz do Senhor, tens um emprego mal remunerado, mas em que fazes os teus próprios horários, sem pressas, tens tudo pertinho de ti: pessoas, lugares, a tua vida toda e tudo o que te faz sentir bem. Surge-te uma boa oportunidade de trabalho, mas a muitos Km de distância de tudo o que valorizas e que de dá conforto físico, mental e espiritual. Desistes logo de tudo e vais sem pensar 2 vezes? Não. Andas a pesar os prós e contras, ai que me dá trabalho, depois vou ficar com um horário fixo, não vou poder ir beber uns copos quando me apetece, não gosto de acordar cedo, o dinheiro não é tudo na vida, não conheço lá ninguém, why bother, eu depois arranjo qualquer coisa por aqui perto em que consiga manter o meu estilo de vida imaculado. Quando é que mudas? Nunca.

situação 4: epá até tenho um marido/namorado fofinho há uns 5 anos, não tem uma cara assim nada por aí além mas dá para o gasto, não ganha mal, todo ele é assim-assim. Há muito tempo que não gosto verdadeiramente dele, mas dá-me a estabilidade que eu preciso. Mudar para quê? 

situação 5: és amigo próximo do chefe. Sabes que tens trabalho para fazer, vês os teus colegas a ficarem atarefados e nervosos para cumprir os prazos que o chefe impôs. Já tu, continuas a fazer tudo ao teu próprio ritmo. O chefe é teu amigo, por amor de Deus, ainda há dois dias atrás ele foi jantar a tua casa. De certeza que ele não se vai chatear se entregares as coisas umas horinhas depois. Ou dias, logo vês. Entretanto o trabalho atrasa-se cada vez mais... confortavelmente mais. E tu nunca chegas a funcionário do mês nem tens direito ao bónus inerente. 

Bem, eu podia continuar aqui a tarde toda com exemplos. A verdade, para mim, é que nada acontece se estiveres demasiado confortável, seja para as coisas mais insignificantes da vida ou para as mais importantes. Acabas por viver na inércia, presa a um conforto que te habituaste a sentir como teu, como sinónimo de ti. Tu não vais desistir desse conforto, a não ser que algo te obrigue realmente a isso. Obviamente, também eu sou vítima deste conforto desconfortável. Ás vezes, quando estamos demasiado confortáveis e contentados mesmo que com pouco, perdemos as melhores coisas da vida. Tenho para mim que é necessário sempre um ligeiro desconforto para as coisas acontecerem. O desconforto é a nossa força motriz para querer e fazer mais. Para mudar, para evoluir, para alcançar novos confortos. E nem nos apercebemos disso, enquanto ajeitamos as penas de ganso da almofada para se adaptarem, uma vez mais, ao formato da nossa cabeça.


15 comentários:

S* disse...

Não consigo ficar satisfeita com o comodismo, com o confortável. Gosto de me sentir viva.

JS disse...

Como perdemos as melhores coisas da vida, se elas estão ali mesmo ao lado, no sofá, no chocolate quente, na almofada de penas de pato, do IKEA? ;)

P.S. Vou atirar uma pergunta assim do nada. Não me leves a mal e, evidentemente, só respondes se quiseres.
Tens problemas de visão? xD

Turtle disse...

S*, é esse o espírito! :)

microcéfalo, essas sao coisas realmente boas da vida, mas se por elas sacrificarmos tudo o resto, será que não se tornam menos boas? E não, de acordo com o que o oftalmologista me disse aqui há uns 3 anos, e passo a citar, não tenho "defeito refractivo suficiente para usar óculos!" Já agora, porquê a pergunta? Tenho ar de pitosga? :P

Jedi Master Atomic disse...

Bem, na situação 1 se me convidassem para ir ver o Hobit eu saltava logo do sofá :P

E sim, já fui ver...lol

Turtle disse...

Jedi, não há regra sem excepção :P

JS disse...

Por causa do tamanho da letra. Normalmente costumo acertar, porque também não vejo muito bem e meto sempre tamanho 14.
Pronto, ainda bem que me enganei. ;)

Turtle disse...

Oh isso é porque acho que ler um blog é para ser algo feito sem grande esforço, especialmente se for ao final do dia, quando a vista já está cansada. Pessoalmente chateiam-me blogs com a letra muito pequenina, não é que não a consiga ler, mas ao fim de um tempo perco a vontade de ler, especialmente textos maiores. E se este blog já tem pouca qualidade em letra 14, imagina com letra 12! :P

CurlyGirl disse...

Eu chamo a esse desconforto Inquietação. E eu vivo em constante inquietação. Confesso que às vezes gostava de me sentir confortável com o que tenho. Lol. Mas, como sabes, sou uma eterna inquieta feliz. :)

Anónimo disse...

Pode constatar que procuras a felicidade no exterior, na novidade, coisa que estranhei, porque se não me falha a memória, praticas yoga; a F.E.L.I.C.I.D.A.D.E nasce e imerge do interior de cada um.

Turtle disse...

CurlyGirl, eu sei que tu és um "bichinho" inquieto, permanentemente inquieto. Mas tu sentes-te confortável com o que tens, acho é que ainda não te deste ao trabalho de encarar isso mesmo...Talvez por isso sejas feliz :)

Anónimo, não poderia estar mais enganado, lamento. A minha felicidade está no interior, mas não se esqueça que muitas vezes essa felicidade interior existe porque o exterior ajuda, sendo que o exterior são, principalmente, as "minhas" pessoas. Os exemplos que dei foram apenas situações demasiado simples para que os leitores pudessem perceber rapidamente o meu raciocínio. E de exemplos simples deduzem-se os mais complexos e verdadeiramente importantes :)

Talvez na próxima visita queira deixar um nome? Nem que seja fictício... afinal, o meu é Turtle ;)

Anónimo disse...

As nossas pessoas queridas pertencem ao complexo domínio que é o interior de cada um. Disso não tenho dúvidas: Afligem-nos as suas preocupações e a sua saúde; enquanto dormimos, sós, elas visitam os nossos sonhos (e sabe Deus, por vezes, com que intensidade emocional!)

Tentar-me-ei não me alongar.

Queria sugerir que, daquilo que apreendi do seu raciocínio, nunca poderíamos almejar a felicidade, porque a banalidade quotidiana, para além de subjectiva, é uma variável- quero com isto dizer que se hoje, para si, a titulo de exemplo, sair à noite dois dias por semana é insuficiente, três meses mais tarde, três saídas nocturnas poderão tornar-se, também, insuficientes.

Na verdade, não tenho nome cibernético, e esta caixinha minúscula irrita-me, já nem sei o que escrevo. Contudo, percebo o seu gosto pela nomenclatura, do qual partilho. Pelo que me chamo ernesto.

Luís disse...

Se quisermos fazer 100 flexões: poderemos começar por 20 flexões 4 dias por semana e seremos capazes de fazer 25 na outra, sucessivamente até chegar às 100.
Descansámos 3 dias por semana. Quando chegarmos às 100 vamos fazer o quê? Descansar? Não.

Podemos ficar demasiado confortáveis, enquanto não perdermos o que conquistámos. Não conquistámos 100 flexões, mas sim 5 (ou as que forem) por semana.

Dizia o Prof. Agostinho da Silva que devemos procurar o impossível e é isso que nos resta. O conforto é a ilusão de o encontrarmos e estar demasiado confortável é a ilusão de já o ter encontrado.

Turtle disse...

Ernesto, permita-me discordar. Não se prenda demasiado aos exemplos simplórios que dei no texto, apenas para ilustrar o meu raciocício. Talvez me tenha feito entender mal. A felicidade é sim, alcancável, já que cada um pode ser feliz como bem entender, seja deitado no sofá durante 3 dias seguidos, seja a dar a volta ao mundo com pouco mais que uma mochila às costas. Quando digo que "nada acontece quando estás demasiado confortável" não me refiro ao constante incontentamento com o que temos, o de querer sempre "mais saídas à noite" do que as que já temos, não era a isso que me referia. Referia-me a coisas que nunca faríamos caso não estivessemos ligeiramente fora da nossa zona de conforto, caso não estivéssemos em posição de nos testar e testar o que a vida tem para oferecer. Referia-me ao conforto como uma inércia predefinida, como o contentamento levado ao extremo e a ambição saudável reduzida a zero. A vida não anda se estivermos demasiado confortáveis, ainda que na realidade, apenas tenhamos medo de nos mexer. Mas claro que respeito o seu ponto de vista, simplesmente difere do que eu queria transmitir no texto ;) de qualquer das maneiras, acho que atinji o meu objectivo: fi-lo pensar no que escrevi, e nada mais posso querer de um leitor :) obrigada!

Luís, não o teria posto em melhores palavras! Realmente o conforto só existe enquanto for real. Quando dermos por nós, foi esse mesmo conforto que deitou tudo a perder.

Farruskinha disse...

Vendo bem as coisas acho que tens razão, quando estamos demasiado confortáveis deixamos nos ficar, mas claro que isso depende de pessoa para pessoa e dos nossos objectivos de vida. Mas acredito que na maioria é assim!!

Turtle disse...

Farruskinha, é claro que isto não é chapa 5... mas realmente, na maioria das vezes que a inércia toma conta de nós, deve ser algo deste género que se passa!