Estava escuro como breu. Nos seus ombros tensos aninhava-se uma estranha humidade que teimava em cair, não se sabia bem de onde, que enregelava todos os seus músculos. Ela ofegava. Não porque estivesse a correr, não porque estivesse com falta de ar… mas por saber o que se avizinhava. Era tempo. Tinha andado a adiar este passo há meses. O coração dava agora sinais de luta esforçada, como quem quer esventrar a caixa torácica para fugir e não sentir os próximos minutos. Põe-te no sítio, idiota, é à tua conta que estou aqui. – disse para si mesma. Deu mais uns passos no corredor, confiando que os seus pés saberiam o caminho. O coração anseia abandoná-la à sua sorte, grita-lhe para voltar para trás. Com os braços a envolver o próprio corpo, ignora-o. Sim, isso ela já tinha aprendido: quando ele não diz nada de jeito, ignora-o. Eco, ecos e mais ecos. O corredor parece não ter fim. Os seus pés começam a querer andar para trás também. Na verdade, todas as suas células a incitam ir no sentido contrário. A mente controla tudo – (re)lembra-se. Força-se a andar, agora mais depressa, antes que mude de ideias. Cerca de cem metros depois (ou assim lhe pareceram), o silêncio petrificante densifica-se. Os seus ouvidos tornaram-se os seus olhos, os seus membros inferiores nos seus detectores de ambiente. Subitamente, algo quebra a aparente paz. Sim, era uma gota de água, sem dúvida, mas o eco que fazia era diferente. Agindo por puro impulso, cega, sente a textura das paredes. Não era preciso ser uma detective para perceber que eram curvas, tinha chegado ao seu destino. Mal se apercebe disto, algures lá em cima acende-se uma luz branca. Instintivamente leva as mãos aos olhos, a luz estava a fazê-la ainda mais cega que antes. Pouco a pouco, permite-se ir destapando os olhos, como quem abre uma janela a medo quando está a chover torrencialmente. Estava na periferia de uma sala circular, com cerca de dez metros de diâmetro, feita de paredes de pedra clara em grandes blocos rectangulares. Em redor da parede, residiam apenas três massivas portas de madeira robusta, em forma de ogiva. Cada uma delas tinha uma placa a identificá-la, que dava a impressão estar ali desde o início dos tempos. Só agora os seus olhos começam a ajustar-se à luz intensa, mas ainda não conseguia ler o que dizem as placas. Olha para si mesma: a camisola larga estava colada ao seu corpo esbelto devido à humidade intensa, mas as calças de ganga apertada que envergava estavam literalmente ensopadas até ao joelho. Direccionando o olhar para baixo, apercebeu-se o porquê de estar encharcada: todo o chão daquela sala estava inundado, a água passava-lhe dos tornozelos, mas os seus pés já nada acusavam, há muito que tinha deixado de ligar à humidade que não a abandonava. Esfregando os olhos, encara agora as placas, são todas de pedra negra, baças. Os seus olhos já estavam mais habituados à presença de luz, que os tinha abandonado desde o início da viagem, há tanto tempo. Na placa mais à esquerda lia-se, em letras prateadas e trabalhadas e numa caligrafia que em pequena sonhava ter, “Mente”. Virou a cabeça, para a outra porta mais próxima de si, à direita. Ali, rudemente inscrito, tal qual como um homem das cavernas o teria escrito se pudesse ter sido alfabetizado, estava a palavra “Corpo”. A terceira porta estava mais longe de si. Como era algo míope, teve de dar alguns passos em direcção a ela para a poder enxergar devidamente. Arrastou os pés, que agora já não sentia de tão frios que estavam, para a terceira porta, que estava ao centro. A sala fazia tanto eco que cada passo que dava, era como se estivesse a provocar um dilúvio na sua mente. Vislumbra então uma placa onde figura apenas um desenho elegantemente gravado a vermelho-sangue. Era, sem sombra para dúvidas, um coração.
4 comentários:
Gostei do texto, da forma como escreves e sobretudo, da tua criatividade!
Beijos,
AL
Muito descritivo, muito simples, muito bonito.
Muito bom!
Mais! Mais! Conta mais!
Não tenho palavras para descrever :')
Chester*
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