19 de novembro de 2011

Viagem #2

  Este post é a continuação de um post anterior. Ler a primeira parte aqui.

  Nunca tinha pensado que o seu âmago, o seu Eu interior pudesse estar compartimentalizado em apenas três miseráveis portas. Não parecia coerente, logo ela que se considerava alguém bastante complexo, estar reduzida àquilo. Devo estar a gozar comigo própria, só pode - pensou. O seu cérebro fervilhava enquanto tentava decidir qual das frentes devia atacar primeiro. O corpo? Parecia ser a escolha mais simples e mais fácil. Não estava assim tão mau para os olhos incautos, mas para o observador mais atento tudo se tornava subitamente óbvio. O seu Eu material, ainda jovem, carregava todas as marcas das suas amarguras: tinha emagrecido, estava permanentemente doente, adormecer era uma batalha inglória, o sono era uma constante, as olheiras já se tinham tornado numas fiéis inimigas. Qual vítima inocente da sua mente e do seu coração, estava à beira de ceder à pressão daquela sua loucura prolongada. Mas afinal, de que me serve ver e tentar reparar o meu corpo, para depois voltar a morrer aos poucos, brutalmente assassinado como dantes? A Mente. A grande responsável. Era essa a porta que iria abrir primeiro. A mente controla tudo, insistiu novamente. Aproxima-se a passos lentos e cuidadosos da grande massa de madeira nobre encimada pela placa de letras prateadas, ainda a lutar contra o dilúvio mental que tentava travar a todo o custo com barragens e diques de auto-controlo. O seu coração, finalmente, havia acalmado um pouco à medida que se afastou da terceira porta. Retirando o braço direito do enlace que fazia em torno do seu próprio tronco, preparava-se para alcançar a maçaneta da porta quando vislumbrou uma pequena campainha do seu lado direito. Sorriu para si mesma. Afinal, ainda havia ali um pouco dela, no meio daquela sala inóspita. Nunca a porta para a sua mente se abriria de livre vontade, e muito menos empurrada. Tinha de ser persuadida a tal, mesmo que fosse para si própria. Resoluta, tocou. Silêncio. De tudo o que naquela sala ecoava, a água, os seus passos, até as suas gotas de suor pareciam fazer barulho ao escorrer pelo seu peito arfante, a única coisa que deveria fazer um ruído ensurdecedor, nem se ouve. Toca outra vez, maldita tecnologia e maldita humidade, deve ter dado cabo da campainha, realmente não há nada que se aproveite por aqui. Silêncio. Mal se preparava para tocar freneticamente até ouvir algum som de resposta, como se a culpa de todos os males do mundo estivesse concentrada naquela minúscula campainha, a porta moveu-se. Atrás dela apresentava-se uma senhora alta, muito branca, com uns óculos ao peito e um ar afável. Em que posso ajudar? - dizia. Subitamente, um sinal de reconhecimento surgiu nos olhos quarentões da guardiã. Entra, tenho estado à tua espera. Não te esqueças de limpar os pés.

   

2 comentários:

CurlyGirl disse...

Quando é que sai o livro? Gostei muito, muito!

sapo disse...

Mais, mais!!!